terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ágora


Parece ser um épico histórico romântico mas afinal é um ensaio sobre a ignorância e o conhecimento: entrámos numa história de amor impossível e acabamos numa crítica feroz dos fundamentalismos religiosos, num hino à tolerância e à razão, num ensaio sobre a ignorância e o conhecimento.
A figura central do filme de Alejandro Amenábar (cinco anos depois de "Mar Adentro") é a elipse - a elipse que define a órbita da Terra em volta do Sol que a filósofa Hipátia busca durante todo o filme, numa sede insaciável de conhecimento. Estamos em 391 depois de Cristo, quando o cristianismo se começa a espalhar pela Europa, e Amenábar centra a história no saque da lendária biblioteca de Alexandria e na imparável ascensão ao poder dos cristãos do Médio-Oriente. Mas tudo isto é contado através de um improvável triângulo romântico: Hipátia, a filósofa e cientista que abdicou da sua vida e das suas emoções em nome da ciência; Davus, o escravo fascinado pelo conhecimento que, uma vez libertado num novo mundo onde a ciência já não tem o mesmo lugar, se dedica à violência em nome da religião para preencher o vazio; Orestes, o romântico incurável que sempre procurou o compromisso impossível entre a ciência e a religião. E de repente percebemos que, por trás destes amores nunca consumados encontra-se um filme muito mais ardiloso do que parece, que usa a estrutura e a forma do género para criar um épico onde a cabeça e não a acção comanda, e, ao mesmo tempo, para criticar a sua própria estrutura. Um filme sobre a força e o poder e o perigo das ideias. Um filme que debate religião, ciência, conhecimento e intolerância.
A maior fraqueza de "Ágora", que não é de todo uma obra prima, é a importância (necessária ao desenrolar do filme) dada à figura feminina Hipátia, que naquela época seria muito menor e a precisão histórica, que está muitas das vezes muito aquém do que é esperado. As reacções de certas personagens, atitudes e pensamentos naquela altura simplesmente não existiam. Amenábar corre ainda o risco do seu filme ser rotulado de anti – Cristianismo (foi a primeira impressão com que fiquei, confesso.), mas depois de tantos filmes em que cristãos são perseguidos, chicoteados, atirados vivos a leões, e etc, estava na altura de mostrar um outro lado da história.

2 comentários:

Miguel disse...

É capaz de vir a ser um filme um pouco anti-popular, à imagem dos filmes de Dan Brown, mas parece que atacar o cristianismo está um pouco na moda. E é isso que me preocupa, esta cena de seguir modas sem preocupação com o pensar pela própria cabeça, com o inovar. Num dia destes o que poderia ser uma simples crítica poderá ganhar contornos de um movimento extremista, à imagem do que sucede na Irlanda entre Protestantes e Católicos, porque raramente existe um meio termo no pensamento das pessoas. Se não se é a favor, é-se contra e se uns são bons, os outros têm forçosamente de ser maus. E dentro daquilo a que o filme se propõe, desse conflito, e mesmo não sendo esse "épico" acaba por valer a pena?

disse...

Miguel: Nada de comparações a Dan Brown...esse é terrivelmente mau. Compreendo-te mas penso que os ataques que estão na moda são mais direccionados ao cristianismo contemporâneo. O cristianismo antigo está ainda numa espécie de redoma muito bem protegido. Mas o filme vale sim a pena até porque espelha a violência causada pelas diferenças religiosas muito patentes hoje em dia. O filme é sobretudo sobre fundamentalismos religiosos e as suas repercussões.

Abraços.