quarta-feira, 28 de março de 2012

Florbela

Florbela é o segundo filme de Vicente Alves do Ó, que tem um percurso já longo no curto panorama nacional, sobretudo como argumentista. Estreou-se como realizador, no ano passado, com Quinze Pontos na Alma, um mergulho no universo misterioso de uma mulher, num cenário cheio de glamour. Desta vez, apaixonou-se assim perdidamente por Florbela Espanca. Qualquer um se apaixona pela sua poesia, claro, mas o realizador foi mais longe, investigou e deixou-se deslumbrar pela mulher. E fez, como o próprio anuncia, não  um biópico, no sentido clássico, mas um filme inspirado na vida e na obra. Ironicamente, escolheu o período em que ela não escreve - opção inteligente e interessante, como quem quer explicar qualquer coisa através da sua ausência ou da sua negação. Mostra, faz mesmo questão de mostrar, por vezes de forma excessiva e quase exibicionista, uma mulher à frente do seu tempo, em conflito com o meio, mal entendida, mal interpretada - apesar de a ação não decorrer no moralismo extremo do Estado Novo, mas ainda na 1ª. República, que Vicente retrata como uma época de grande boémia aristocrática, ao melhor estilo parisiense, em que não resiste ao glamour (que acaba por ser uma das suas imagens de marca). A Florbela que encontramos é uma mulher desavinda com a vida, egocêntrica, neurótica e histérica, em convulsão interior, entre o fascinante e o insuportável. 
Vicente Alves do Ó importa esta história para o seu universo extremamente feminino e com traços de glamour que por vezes se transformam num pesadelo estético, e um ultrarromantismo fora de moda. Sobretudo, gostemos ou não, percebemos que o realizador, ao segundo filme, cimenta uma linguagem que se concretiza num olhar, num estilo e até numa temática - mantém-se o fascínio pelo universo feminino ou, se quisermos, pelo mistério feminino, pelos grandes enigmas das mulheres. Para o bem ou para o mal, a marca está lá.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Monstra12

Nesta 11.ª edição, a Alemanha apresenta-se como país convidado no qual se destacam nomes como George Pal e Gil Alkabetz, Oskar Fischinger e Solveig von Kleist. A não perder também, as retrospectivas dedicadas ao trabalho dos realizadores alemães Lotte Reiniger e Bruno Böttge. 
Num programa com mais de cem filmes, revelam-se as sátiras e percorrem-se diversas épocas culturais mostrando, através de uma abrangente retrospectiva, a história da animação alemã. Em paralelo, a programação infantil apresenta o ciclo alemão Aventureiros (no cinema São Jorge, 24 de Março, às 10h30), onde os mais pequenos poderão ver, por exemplo, um sapo que se enamora por um chinelo.   Num confronto entre os melhores filmes apresentados nos últimos dois anos, chega-nos a competição de curtas-metragem de animação. 
No domínio português, a competição conta com dez participações. Novidade deste ano é a criação do Prémio SPA - Vasco Granja que visa distinguir o melhor filme de animação português produzido em 2011. Nomes como Mário Gajo de Carvalho, Zepe e Humberto Santana, André Ruivo ou João Fazenda não vão faltar.   O festival continua a apostar no diálogo da interdisciplinaridade artística. A Monstra associa-se ao Museu da Marioneta, para apresentar duas exposições ligadas ao do cinema de animação: Marionetas de Animação e Projecto [RE]Animar (ambas até 25 de Abril).

No cinema São Jorge estão ainda presentes duas exposições: uma homenagem ao realizador português José Abel (também no átrio da Fundação Calouste Gulbenkian) e a exposição Mix República, que mostra 25 filmes sob o tema A República na Minha Terra, revelando um pouco mais sobre a implantação da República ao longo do país.   Para os entusiastas do cinema de animação japonês, este ano haverá nova retrospectiva. Dois destaques: "Ghost in the Shell", do realizador Mamoru Oshii, e "Winter Days", de Kihachiro Kawamoto.    A Monstra 2012 apresenta ainda diversas sessões na Fundação Calouste Gulbenkian: os Óscares da Animação, Históricos ou Best of the World são alguns dos ciclos retrospectivos.  

Dedicada ao universo infantil, a Monstrinha organiza ainda sessões para as escolas (dos 3 aos 6 anos, 7 aos 12 anos e mais de 13 anos), sessões para pais e filhos e a oficina escolar Animated Post-It® Sticky Notes. A programação inclui ainda a exibição do filme "Bambi", que comemora este ano o 70.º aniversário. No dia 24, quem se deslocar a partir de Lisboa, beneficia de transporte gratuito pela organização até ao Centro de Eventos do Hotel Aqualuz, Tróia.
Aceda aqui à programação.

domingo, 11 de março de 2012

"Sangue do Meu Sangue" premiado em Miami

"Sangue do Meu Sangue", de João Canijo, recebeu o Grande Prémio do Júri do Festival de Cinema de Miami, EUA, que hoje termina - distinção que inclui uma atribuição de 5 mil dólares. O filme acaba de ser editado em DVD em Portugal, em edição de coleccionador, nas duas versões, a longa e a curta, de  2h20 e de 3h10 respectivamente. No seu percurso por festivais, "Sangue do Meu Sangue" venceu já o Prémio da Crítica Internacional e a Menção Especial do Júri do Prémio "Otra Mirada" durante o Festival de San Sebastian, festival onde teve a sua estreia mundial. Depois disso foi apresentado no Festival de Toronto e mais recentemente no Festival de Bussan, Coreia. Estão ainda agendadas as exibições no Festival do Rio de Janeiro, no Brasil, em Munique, na Alemanha, em Linz, na Áustria, em Vílnius, na Lituânia, e na Corunha, em Espanha, onde será acompanhado por uma retrospectiva da obra do realizador. A distribuição alternativa nos EUA no próximo ano também já está assegurada, segundo a distribuidora Midas Filmes.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Os Descendentes

Enquanto a mulher está suspensa num coma profundo, George Clooney, “pai de família” pouco convicto, reúne as filhas, visita os familiares e os amigos, compenetra-se no seu papel de pai e de marido - ele próprio é um “descendente”, tem que lidar com um património familiar que, de há décadas, vem passando de geração em geração. É um filme “muito bem escrito”, por certo, dos diálogos à organização narrativa, uma fluidez e uma elegância que dão tanto prazer como têm tendência a frustrar.  Há dois, três momentos em que o filme vive para além da escrita, quer dizer, onde se passa alguma coisa que é da ordem do físico. Eles são: a corrida de Clooney (“tempo real” mas também uma sensação de “espaço real”) depois de saber da infidelidade da mulher (que está em coma); o mergulho da filha mais velha depois de saber que a mãe vai morrer; e o plano final, sobre o qual começa a correr o genérico de fecho, o pai e as filhas em frente à televisão, plano frontal em que as palavras são dispensadas, imagem de uma família que encontra uma maneira de se recompor na assimetria (e que é obviamente o “ponto de chegada” de todo o filme, assim sucintamente expresso). Há alguns outros aspectos interessantes. O cenário, o Hawaii (o argumento adapta um livro de uma escritora hawaiana), talvez o estado americano menos filmado por Hollywood (à excepção dos filmes sobre Pearl Harbor...), e a maneira como Payne, nas entrelinhas da banda musical, faz de “Os Descendentes” um filme discretamente “folk”, embebido, com subtileza, pelas tradições musicais locais. Mais falhada, porque nunca se transforma na assombração que devia ser ( a “decadência do matriarcado”), é a cerimónia de morte: há demasiado cuidado na utilização dos grandes planos do rosto da mulher adormecida, um rosto progressivamente decomposto cuja imagem parece nalguns momentos querer “ritmar” a montagem, mas sem nunca se tornar a coisa horripilante e incómoda que fazia sentido ser. Portanto: um filme perfeitamente decente, que devia ser a regra e não a excepção.

sexta-feira, 2 de março de 2012

quinta-feira, 1 de março de 2012

Extremamente Alto, Incrivelmente Perto

Oskar é uma criança diferente de todas as outras, com uma inteligência acima da média mas grande dificuldade em interagir com as pessoas. Com o seu pai, contudo, ele sente a liberdade de se expressar nos seus modos estranhos, partilhando um gosto peculiar por expedições e aventuras em nome de grandes descobertas. Quando o pai morre inesperadamente nos atentados de 11 de setembro de 2001, a criança tenta a todo o custo encontrar a razão para o desaparecimento dele. Ao encontrar uma estranha chave escondida num envelope com o nome “Black” escrito por fora, Oskar convence-se que este se trata de mais um desafio imposto pelo seu pai. E para manter viva a chama do pai, que parece querer apagar-se da sua memória com o tempo, a criança parte numa jornada pela cidade de Nova Iorque que só terminará quando conseguir descobrir o que abre, afinal, aquela chave.
Extremamente Alto, Incrivelmente Perto” fala-nos sobre a necessidade constante de encontrar explicações para tudo na vida…e da constatação da realidade de que, infelizmente, para muitas coisas na vida não existe qualquer razão. É um filme belo, no conteúdo e na forma. O filme foi criticado por alguns devido à utilização dos atentados às torres gémeas como pano de fundo da história. Existem vários exemplos de narrativas que se apoderam do poder emotivo e trágico dos eventos para mercantilizarem o seu filme ao desbarato. Mas “Extremamente Alto, Incrivelmente Perto” não pode ser acusado disso em momento algum. Ele apodera-se da moral mais poderosa desses eventos, mas vai muito mais além com a genialidade de todas as outras histórias que se entrelaça, dos sentimentos e lições de vida que explora.