A vida tal como ela é pode assustar bastante. Haneke faz em Amor uma inversão de cenários
em direção a uma realidade quotidiana. Mas, no fundo, o que Amor faz é enfrentar um dos mais
subtis tabus do cinema: a velhice.
Confirma-se, os velhos, por si só, não são um tabu do cinema: os avós são personagens de dramas
e comédias, figuras queridas ou abandonadas, geralmente sensatas, por vezes dementes. Mas a velhice
e, sobretudo, a decadência que lhe está associada evita-se demasiadas vezes.
Evita-se sobretudo centrar um tema neste assunto perigosamente banal.
Por um lado, pelo simples motivo que o assunto é chato.
Não impele a ação, as personagens não correm nem fazem amor, apenas ficam, passam os dias...
Mas, pior do que isso, o assunto é sensível e demasiado universal para nos querermos confrontar com ele.
A brutalidade e crueldade de Amor em nada fica atrás ao dos jovens psicopatas de Funny Games
ou ao pai de Laço Branco. Dir-se-ia que Amor consegue ainda transcendê-los,
porque há uma identificação imediata: a velhice não é um ficção, quase todos lá chegam.
É , portanto, um filme corajoso. Enfrenta um dos mais subtis tabus do cinema e,
ao mesmo tempo, aborda um ambiente desesperadamente monótono.
Ganha à partida uma medalha de mérito, a da coragem que se associa,
seguramente, ao prémio para o filme mais deprimente do ano.
Amor é perversamente realista, como uma profecia que se e entranha.
Vai muito além da sala de cinema.
Aparentemente, há uma rutura com a filmografia de Michael Haneke,
até porque Isabele Huppert, a sua atriz de eleição, faz aqui apenas um pequeno papel
(quase tão pequeno como o de Rita Blanco).
Os protagonistas são dois atores notáveis, com interpretações fabulosas,
que atingem um pico de carreira na casa dos 80: Emmanuele Riva e Jean-Louis Trintignant
(há mais de dez anos que não entrava num filme importante).
Mas, vistas bem as coisas, mantêm-se requintes sádicos a que Haneke nos habituou.
Isto elevado ao ponto mais extremo em que a morte se torna um alívio.
Do espectador, Haneke não tem piedade. Mostra-nos tudo, pormenorizadamente,
deixando-nos num estado de permanente comoção, nunca descurando a empatia com as personagens, que é imensa e brutal.
Até certo ponto, há mesmo uma luta de Anne contra a tristeza que a circunda.
Já não quer ouvir Schubert, prefere as Bagatelas (a música erudita, mais uma vez, marca forte presença).
As circunstâncias, contudo, não lhe dão qualquer escapatória.
E tudo é triste e terrível, mesmo a história, que, no leito, Georges conta para acalmar a mulher.
Porque, claro, Amor é também um filme sobre o amor profundo e inquebrável, que redunda em sofrimento.
Oferece-nos um espelho demasiado translúcido, ninguém quer ver a realidade tão nítida.
Mas a culpa não é do cinema. É da vida. Ou, como dizia Manuel da Fonseca: "Isto de estar vivo um dia acaba mal".