segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cientistas portugueses descobrem mecanismo de protecção natural contra formas graves da malária


Todos os anos, o parasita da malária infecta 200 a 500 milhões de pessoas no mundo e mata um a dois milhões. A equipa de Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, acaba precisamente de descobrir um mecanismo de protecção natural contra as formas graves da malária e hoje publicou os resultados na revista norte-americana “Proceedings of the National Academy of Sciences”.
Esta protecção natural acabada de identificar não tem a ver com a capacidade de o próprio sistema imunitário eliminar o parasita da malária, o “Plasmodium”. Nem tem a ver com a eliminação do parasita com medicamentos antimaláricos, pois mesmo entre quem os recebe há mortes — sem que se soubesse explicar, até agora, por que tal acontecia. A resposta da equipa de Miguel Soares é que essa protecção natural tem a ver com a capacidade de os próprios tecidos do organismo se protegerem contra a resposta em curso do sistema imunitário contra o agente patogénico.
Ao sermos picados por mosquitos anófeles, que se alimentam de sangue humano, o parasita da malária pode ser transmitido: entra na corrente sanguínea e dirige-se para o fígado, infectando as suas células e multiplicando-se aí. Em seguida, estas células rebentam e libertam o parasita de novo na corrente sanguínea, que vai infectar os glóbulos vermelhos. Poucas células do fígado são destruídas nesta fase, explica Miguel Soares, de 41 anos. É quando os glóbulos vermelhos se rompem, depois de o parasita se ter multiplicado ali, que surgem os sintomas da doença, como ataques de febre, suores, arrepios e até a morte.
Num trabalho anterior, a equipa de Miguel Soares já tinha demonstrado o que estava na origem desses sintomas. Quando o parasita leva à ruptura dos glóbulos vermelhos — que transportam o oxigénio dos pulmões para os tecidos do corpo através da hemoglobina —, esta proteína é lançada para a corrente sanguínea. Uma vez aí, a hemoglobina liberta os seus quatro grupos de ferro (através dos quais o oxigénio se liga a esta proteína) e são eles que causam os sintomas graves da malária.
Normalmente, estes grupos de ferros são inofensivos. Mas com a infecção do parasita da malária em curso, o caso pode mudar de figura. E são as células do fígado que vão ser atingidas por aqueles grupos de ferro. Ou nos casos mais graves de malária, as células do cérebro, como também já havia mostrado esta equipa.
“No contexto da resposta que está a acontecer — há células do sistema imunitário a fazer tudo para matar o Plasmodium —, se as células do fígado recebem um grupo de ferro ao mesmo tempo, o resultado é que morrem”, explica Miguel Soares. “Há uma hepatite. O fígado pára de trabalhar.Mas isto é algo que acontece raramente." É aqui que entra em cena uma enzima. Chama-se heme-oxigenase-1, é produzida nos tecidos do organismo quando são expostos a um “stress” oxidativo e tem a capacidade de degradar precisamente os grupos de ferro. Ou seja, tem um efeito protector das formas mais severas da malária, que afecta sobretudo crianças (onde se inclui a malária cerebral).

Nova estratégia de Luta

Servindo-se de uma metáfora, Miguel Soares diz que o sistema imunitário está a dar marteladas no parasita, mas pelo caminho nós próprios também levamos marteladas e podemos morrer. Esta enzima protege-nos, amortecendo essas marteladas.
“Normalmente, a maioria das pessoas com malária não morre, porque há este mecanismo de protecção natural. Os tecidos estão protegidos e os indivíduos podem usar a sua resposta imunitária natural para matar o parasita sem comprometer o fígado, os rins, os pulmões...”
Como é que os cientistas chegaram a esta descoberta? Estudando ratinhos — por exemplo, modificaram geneticamente alguns animais para que a enzima protectora não fosse produzida e, dessa forma, puderam ver os efeitos devastadores no fígado.
Portanto, a equipa de Miguel Soares revelou um mecanismo de protecção, até agora desconhecido, durante a luta do organismo contra o parasita da malária, que pode abrir a porta a uma estratégia de combate à doença completamente diferente da utilizada até ao momento. Além de continuar a matar-se o parasita com antimaláricos, poderá então provocar-se o aumento da protecção do organismo através de medicamentos que copiem o efeito da enzima. Em ratinhos, pelo menos, o fármaco que a equipa testou, um anti-oxidante banal, teve um “resultado dramático”.


Texto de Teresa Firmino

2 comentários:

Louco de Lisboa disse...

Falta descobrir a forma de acabar com a fome no mundo, com as guerras e com a crise financeira.

Alexandre Correia disse...

Olá Bé!

A Malária é a doença dos pobres. Só foi erradicada de Portugal há cerca de meio século e com as alterações climáticas que o mundo está a sofrer há o risco da Europa voltar a ser uma região de risco de Malária, dizem os especialistas. Se isso realmente estiver iminente, tenho a certeza que muito rapidamente chegará ao mercado uma vacina eficaz no combate e prevenção da Malária, mas enquanto for uma doença predominante dos países mais subdesenvolvidos, onde as populações e às vezes até os próprios governos, não têm condições para comprar medicamentos, continuarão a surgir notícias animadoras como esta sem que, na verdade, seja feito algo de concreto para resolver o problema, pois a poderosa indústria farmaceutica não está disponível para correr o risco de investir fortunas em investigação de medicação para a Malária e depois ver as suas patentes confiscadas, como sucedeu na África do Sul com alguns medicamentos vitais para a SIDA. Lembra-se daquele filme "O Fiel Jardineiro", que passou nos cinemas aí há três ou quatro anos? Acredite que acontecem histórias assim. Eu já testemunhei uma acção altamente suspeita de recurso a populações africanas como cobaias. Porque depois dos resultados com os ratinhos, antes dos medicamentos chegarem ao mercado têm de ser experimentados em pessoas.

Um beijo,

Alex