terça-feira, 19 de maio de 2009

Depois de "Navega", o "Storia, Storia"


Três anos depois do inesperado sucesso de "Navega", a cabo-verdiana Mayra Andrade regressa com um disco luxuoso, gravado entre o Brasil e Cuba, com funanás que cheiram a Bahia e jazz e mornas de mãos dadas.
Há três anos o seu disco de estreia conseguiu o surpreendente feito de atingir o galardão de ouro de vendas em Portugal, algo que, por norma, está reservado à música anglo-saxónica, a brasileiradas género-bota-o-pé-no-chão-qui-legáu ou a discos com canções a passar nos "Morangos Com Açúcar". "Navega" ainda ganhou o Prémio da Crítica Discográfica Alemã e um importantíssimo prémio da BBC na categoria Novo Artista. Ela tinha 21 anos.
"Sucesso é o que se espera", começa por dizer, em tom renitente. "É o que se deseja sempre", continua, antes de se abalançar a frases mais compridas. "Faz-se um disco com tudo o que se tem e o melhor que se pode, por isso não vou dizer que foi uma enorme surpresa. Mas também não vou dizer que esperava que fosse um sucesso com uma dimensão tão grande."
O raciocínio anterior acaba com ela a diminuir os feitos do disco anterior: "Eu comecei pelo mais difícil, que é a vida de palco e enfrentar o público. Um disco, para mim, é apenas um complemento." O palco, portanto, é a suprema experiência. Teoricamente, é uma tese arriscada. No caso dela faz sentido.
Há seis anos vimo-la na Toscânia (Itália), num festival de cultura portuguesa. Foi uma surpresa tremenda: uma garota desconhecida subia ao palco, e descalça, indomável, trazia uma voz de ouro para a frente de uma música que, sendo cabo-verdiana, não parecia limitar-se às fronteiras do seu país de origem.
Mayra nasceu em Cuba. Como o marido da mãe era diplomata passou a vida a viajar. Por essa altura tinha vivido largas temporadas em Cabo-Verde, mas também tinha passado por Angola, Alemanha e Senegal. Precoce, tinha-se estabelecido em Paris, sozinha, aos 17 anos, e já ganhava a vida graças aos concertos, acompanhada por uma data de homens mais velhos que compunham a sua banda. Paris não surgiu por acaso: ela fala francês desde os seis anos, e com 16 ganhou a medalha de ouro dos Jogos da Francofonia, no Canadá, com uma canção em francês.
Mayra Andrade gosta de dizer que faz "música ilegítima". Quando lhe pedimos para explicitar a expressão, ela usa uma imagem curiosa: "O que é um cão bastardo? É um cão que já não tem raça. A música cabo-verdiana é mestiça e eu ainda por cima sou permeável - tudo o que me encanta noutras músicas entra na minha. Andei por todo o lado, pelo que a minha música é naturalmente assim." Ela diz que a sua abordagem à música "é como ir a um buffet e ter a liberdade de provar um pouco de tudo" e acrescenta que "vir de um país não quer dizer que estejamos condenados [a ficar fechados nele]".
Ouvindo "Storia, Storia" fica-se com a certeza que ela não está condenada a ficar fechada nas fronteiras do seu país. É um disco que assenta na música cabo-verdiana, sim, mas que vagueia um pouco por todo o lado: tem o "tres" (guitarra de três cordas) tipicamente cubano, percussões brasileiras, koras africanas. Há músicos angolanos, guineenses, brasileiros, cabo-verdianos. Melodicamente, o disco deve muito ao Brasil, onde, de resto, uma boa parte do disco acabou por ser gravado (a outra parte foi em Cuba). "A música brasileira ocupa uma grande parte das minhas escutas", admite, para depois citar as inevitáveis divas da MPB como influências.
"Storia. Storia" é um disco luxuoso, com sumptuosos arranjos de cordas escritos por Jacques Morelenbaum (colaborador habitual de Caetano), suaves nuances de jazz na melancolia de um trompete, muito piano, etc., o que o coloca num campeonato bem distinto de um disco predominantemente acústico e simples como "Navega".
As canções, diga-se, não precisam de mais nada e é claro que Mayra está a apontar para o mercados das divas brasileiras e que vai ganhar a aposta. Um pequeno detalhe revela a ambição: o nome do disco, "Storia, Storia", era uma expressão antiga, cabo-verdiana, que se usava quando as pessoas se juntavam para contar histórias. "É como um desafio", explica Mayra: "Quem sabe contar melhor, que conte agora."

1 comentário:

lumadian disse...

NÃO SOU GRANDE APRECIADOR, NEM CONHECEDOR DAS SUAS MÚSICAS, APENAS UMA OU DUAS MÚSICAS. SOU BEM MAIS APRECIADOR DA SUA BELEZA. É REALMENTE UMA MULHER LINDÍSSIMA!