domingo, 3 de maio de 2009

Como se transformou um paraíso num campo de concentração?

O paraíso de sempre









O inferno como passado
TARRAFAL “CAMPO DA MORTE LENTA”
A mais brutal expressão da violência repressiva da ditadura salazarista, foi a abertura do Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, a milhares de quilómetros de Portugal. O campo do Tarrafal, inaugurado em Outubro de 1936, foi inspirado nos campos de concentração nazis, que Hitler nessa altura começava a montar na Alemanha e depois estendeu, como campos de extermínio, por todos os países ocupados pelo exército nazi.
No Tarrafal não havia câmaras de gás, como nos campos de concentração nazis, mas os presos eram submetidos a um regime de morte lenta - por isso ficou conhecido como o «Campo da Morte Lenta». Os maus tratos e a má alimentação, as doenças sem tratamento e o clima, numa das mais insalubres regiões de Cabo Verde, mataram 32 dos portugueses que para lá foram deportados. Nas primeiras levas de prisioneiros enviados para o Tarrafal encontravam-se muitos dos participantes nas greves do 18 de Janeiro de 1934 e da revolta dos marinheiros de Setembro de 1936, na sua grande maioria comunistas, mas também outros antifascistas, sindicalistas e anarquistas. Entre os presos políticos enviados para o Tarrafal encontrava-se o Secretário-Geral do PCP, Bento Gonçalves, onde viria a ser assassinado.

Alguns testemunhos:

«Na Achada Grande do Tarrafal montou o governo fascista o campo de concentração. Na Achada Grande há pântanos, mosquitos e paludismo. A Achada Grande era a zona mais temida pela gente de Cabo Verde.Na ilha que o mar guardava melhor que o arame farpado e as armas dos carcereiros, o mosquito seria um executor discreto. Sem possibilidade de ferver a água inquinada, sem mosquiteiros, sem medicamentos, com má alimentação, trabalhos forçados, espancamentos, semanas na «frigideira», todas as resistências orgânicas se desmoronavam abrindo caminho fácil ao paludismo e às biliosas.»

«As mortes dos antifascistas no Tarrafal foram premeditadas. Tão claro era objectivo que o director do Campo não o escondeu. Afirmou-o para que todos os presos soubessem a que estavam destinados.“Quem vem para o Tarrafal vem para morrer!”E muitos morreram e lá ficaram no cemitério que tão perto estava do Campo»«A baía do Tarrafal, entre Julho e Novembro, quando o nordeste não sopra, é zona de paludismo. O mosquito anófele alimenta-se com sangue e é nos glóbulos vermelhos que se reproduz e se completa o ciclo evolutivo do plasmódio, causa do paludismo. O mosquito é o transmissor.Ali morreram dezenas de antifascistas, e muitos outros morreram prematuramente já depois de libertados, em consequência directa das violências e maus tratos lá sofridos.»

«O Tarrafal, perante o desenvolvimento da luta do povo português pela liberdade e pela democracia, não chegava para albergar todos os que se levantavam contra o regime. A ditadura criou toda uma rede carcerária por onde passaram, antes e depois do Tarrafal, milhares de presos políticos: a Fortaleza de S. João Baptista, nos Açores, a cadeia do Aljube em Lisboa e o Forte de Caxias, o Forte de Peniche, as cadeias da Rua do Heroísmo, junto à sede da PIDE no Porto - para além da sede da PIDE da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde a maioria dos presos eram submetidos a dias seguidos de interrogatórios e tortura e onde alguns foram mesmo torturados até à morte.»«O regime prisional em todas estas prisões salazaristas era de vigilância constante, alimentação deficiente, privação de exercício físico. Os castigos e torturas faziam parte do regular arsenal repressivo fascista.Os contactos com as famílias faziam-se em «parlatórios» com os presos por detrás das janelas de um corredor pelo qual passeava um guarda, para ouvir as conversas.Prisioneiros houve que passaram na prisão cinco, dez, quinze, vinte e mais anos.»

A FRIGIDEIRA
«A frigideira era uma caixa de cimento, construída perto do aquartelamento dos soldados angolanos. Tinha uma forma rectangular. O tecto era uma espessa placa de betão. Uma parede dividia-a interiormente em duas celas quase quadradas. Tinha cada uma delas a sua porta de ferro, perfurada em baixo com cinco orifícios onde mal se podia enfiar um dedo. Por cima, junto ao tecto, havia um postigo gradeado em forma de meia lua com menos de cinquenta centímetros de largura por uns trinta de altura. Estava exposta ao sol de manhã à noite. Lá dentro era um forno. Aquela prisão merecia o nome que os presos lhe davam: a frigideira.»

«O sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A frigideira teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados.A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto. Quatro passos era o percurso de uma parede a outra. Dentro havia uma constante penumbra.»

O POÇO DO CHAMBÃO
«No Campo do Tarrafal, a água que nos estava destinada vinha de um poço, situado a uns setecentos metros. Ali se juntavam mulheres e crianças. Vinham de bem longe com as suas vasilhas. Carregavam-nas à cabeça e seguiam para suas casas. Era esta a água que bebíamos. Estava contaminada com excrementos de cabras e burros lazarentos que ali iam beber todos os dias. Pelo tempo das chuvas, raras mas torrenciais, as enxurradas que desabavam das montanhas arrastavam consigo burros, cães, aves mortas. O poço ficava no caminho das torrentes e com a sua água bebíamos também a outra, a das chuvadas que corriam para o oceano.Ficava o poço a uns duzentos metros do mar que se infiltrava e tornava integralmente salobra a água que bebíamos. Pelas marés vivas mais salgada era ainda»

A BILIOSA EXECUTOR SILENCIOSO
«A biliosa aparecia de repente. Não era pressentida. E a todos nós assustava e nos fazia vigiar ansiosamente a urina. Porque quando se urinava sangue, quando a urina trazia um tom de café, era a biliosa»«Havia sempre paludismo, mas pela época das chuvas era o seu período. Tal como durante todo o ano se podiam dar «biliosas», embora no final de Outubro fossem mais frequentes.A biliosa era a fase final do paludismo crónico. Aparecia sempre naqueles que anteriormente já tinham sido vítimas do paludismo.»

«Naquela manhã entrou o Joaquim Amaro que nos gritou a má nova: O Bento está com uma biliosa!Corremos à caserna. Bento Gonçalves estava já a ser levado para a enfermaria. E com aquele seu ar meio despreocupado, meio sorridente, disse-nos:Mais um, camaradas! Preparem outra mesa!E, na verdade, tudo parecia que teríamos de fazer mais um caixão. Não tardou a cair em coma, com uma cor arroxeada e uma respiração difícil. Bento Gonçalves adoecera com a forma mais grave da biliosa, aquela a que chamamos perniciosa e para a qual não havia esperança. A 11 de Setembro de 1942, o doutor Moreira verificou o óbito.A morte de Bento Gonçalves era uma grande perda para nós.- Mais um que mataram! Dizíamos.»








4 comentários:

lumadian disse...

Sinais dos tempos. Não só da ditadura portuguesa, como todas as outras que existiam na altura.
Ainda bem que muita coisa evoluiu, mas não podemos nunca esquecer que ainda existem em pleno ano de 2009 vários povos que praticam coisas bem piores.

Ângela Jorge disse...

A praia é fenomenal...pelo menos parece.

Né disse...

Terra sai!!!
Sao os proprios humanos a destruir toda a humanidade.

:)

Né disse...

chi...esqueci uma letra...ahah...terra sabi! Tarrafal é sabi di más...