sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Huis-Clos


Três cadeiras no palco, como aquelas em que nos sentamos quando estamos numa sala de espera. Na verdade estamos mesmo à espera que o ensaio comece. Além das cadeiras, só os tripés de luz povoam o espaço cenográfico. É tudo muito simples e também não adianta ficar com a expectativa de muita acção, porque neste "Huis-Clos" da Mala Voadora quem percorre a sala de teatro, age e sua é o texto do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980).
O encenador Jorge Andrade explica-nos que neste trabalho aposta mais no texto do que na representação em si. Não há movimento. "Estamos livres da acção. O interlocutor de cada personagem é o público". As três personagens - Garcin (Jorge Andrade), Inês (Sílvia Filipe) e Estela (Anabela Almeida) - não se olham quando falam umas com as outras e só se movem para rodar de lugar nas três cadeiras. O texto de Sartre aqui é "tratado como objecto". A proposta é que o "público construa as imagens", continua jorge andrade: "A peça funciona como um jogo de espelhos, e por isso optámos por não ter acção cénica. Acho que iria diminuir o potencial implícito no texto". De resto, as personagens "descrevem as acções que vêem na Terra e as suas próprias acções", ali no inferno.
O texto de Sartre sublinha até que ponto a nossa identidade é construída a partir dos outros. "São os outros que nos constroem. Eu serei provavelmente uma coisa diferente para uma pessoa do que serei para outra", diz o encenador. É provavelmente por isso que está presente nesta peça uma personagem estrangeira ao contexto francês, supõe o encenador. Garcin é um jornalista do Rio de Janeiro, um pacifista que foge para o México quando uma guerra explode no seu país.
Estão mortos e a sala onde os encontramos é o inferno. Podia não ser uma sala, e podia nem sequer ter um tecto. Afinal, é aqui que garcin pronuncia uma das mais famosas frases de Sartre, e de todo o existencialismo: "o inferno são os outros".

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