sábado, 12 de janeiro de 2013

Paperboy


Paperboy não está a fingir ser da década de 1970, apesar de a retratar, nem a usar um olhar irónico do pós-modernismo: é a real thing, um filme gloriosa e estrondosamente retro, onde tudo, da fotografia saturada em tom de humidade sulista aos figurinos na medida exacta de mau gosto, nos coloca no centro da tensão sufocante e latente dos conflitos raciais e sociais de uma América onde a cor da pele ainda era questão central. O crime nominal e a perversão da justiça daí resultante são meros pretextos para Daniels se comprazer na exploração das contradições evidentes de uma América tão puritana quanto hipócrita, numa radiografia psíquica de um Sul de anedota. É que Daniels parece estar a provocar pela provocação, como um menino que se diverte a pôr os adultos a dizer asneiras - ou, no caso, Nicole Kidman a urinar para cima das queimaduras de alforreca de Zac Efron ou a masturbar-se frente a um John Cusack que quase se vem só a olhar para ela (e a actriz, deve dizer-se, submete-se a tais humilhações com a entrega e a dignidade suficiente para sair do filme não só intacta como engrandecida).  Este é  um daqueles filmes que transcendem as classificações de “bom” e “mau” para se tornar em “o que raio é exactamente isto”. É um grande filme? Não. É um grande filme trash como há muito tempo não víamos. Provavelmente, desde os anos 1970.

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