terça-feira, 17 de abril de 2012

A Residência Espanhola

Despretensioso, natural, satírico. Assim é A Residência Espanhola, um filme de 2002 que merece ser visto, pela interessante e cativante experiência cinematográfica que representa.
Xavier (Roman Duris) é, a par de tantos outros actores que fazem este filme, um quase ilustre desconhecido para quem não é atento. De facto, e à excepção de Audrey Tautou (Martine) ou Cécile de France (Isabelle), até o próprio realizador, Cédric Klapisch, é uma presença praticamente incógnita no meio cinematográfico para os mais desatentos.
"A história começa exactamente aqui", é o que diz Xavier logo ao início, quando entre dúvidas acerca do caminho profissional a seguir resolve ir tirar uma pós-graduação a Barcelona. Para trás, deixa durante um ano Paris, a namorada Martine (Audrey Tautou), uma curiosa mãe hippie e um pai ausente mas com muitos projectos para o filho. E o "aqui" é uma odisseia na cidade espanhola que tem início logo no aeroporto, quando Xavier conhece um desequilibrado casal francês que acaba por o alojar na sua casa, também em Barcelona.
A Residência Espanhola é o relato, em forma de documentário cómico - como bem o ilustram as passagens género vídeo caseiro e a montagem irrequieta - de um ano na vida de um grupo de estudantes de Erasmus, de várias nacionalidades, que se juntam numa mesma casa e aí partilham experiências de adaptação e expectativas de vida. Longe de ser demasiado profundo ou existencialista, esse relato mantém-se sempre na margem entre a naturalidade espontânea do quotidiano, com os seus acasos e tropeços, e o drama ligeiro, construído pela inadaptação pessoal de um jovem às voltas com o que desejava e o que deixa de repente de desejar, pouco motivado pela rotina da vida profissional que lutou para ter.
Com desempenhos que, infelizmente, não se destacam propriamente como cerne da película como todo - é muita gente para um filme só, e seria difícil dar notoriedade suficiente a todos -, L'Auberge Espagnole (assim é o título original) consegue no entanto atingir, nessa vertente, um grau mediano, até porque todos juntos os personagens proporcionam excelentes momentos de comédia ao espectador.
Com produção franco-espanhola, A Residência Espanhola prima sobretudo pela experiência de realização e montagem a que assistimos, as quais conseguem reforçar a ideia de dinamismo jovem do filme, seguindo os personagens a um ritmo nunca cansativo nem uniforme. A par disso, a sua virtude óbvia é a relação estreita que estabelece com quem assiste, talvez porque traduz uma experiência real de vida, em que os protagonistas são jovens com ansiedades, emoções, percalços, que desde o início parecem inexplicavelmente estabelecer connosco uma agradável cumplicidade. À parte a faceta mais superficial, de ténue exploração da maior parte dos personagens e também de abordagem leve da experiência de convivência daqueles jovens (entre os quais assistimos a poucos ou nenhum conflito, quando, na realidade, nem sempre é assim tão fácil, mesmo que aqui até cheguemos a acreditar que eles simplesmente tiveram sorte), este é sem dúvida um excelente momento de cinema. Ligeiro, com algumas facilidades criadas, mas acima de tudo coerentemente distante de clichés, muitas vezes hilariante, cativante. Vidas reais... with "no surprises"...


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