sexta-feira, 27 de abril de 2012
IndieLisboa 2012
A competição internacional do IndieLisboa, que hoje começa, concentra-se em primeiras e segundas obras, o que implica que não se deve olhar para elas como se fossem trabalhos de maturidade de cineastas consagrados. E ainda bem que assim é: pelo meio de uma paisagem de cinema onde já se sabe tudo sobre os filmes antes sequer de eles estarem acabados, apetece deixarmo-nos levar pelo prazer da descoberta, tentar adivinhar o que de prometedor se esconde por entre ingenuidades, inexperiências, primeiros passos tacteantes. Mas nada de confundir esse prazer da descoberta com displicência ou condescendência, sob pena de prestar um mau serviço a públicos e autores. Há que, como se costuma dizer, ter a noção das limitações.
É aí que reside a chave para assistir à competição do IndieLisboa: estar preparado, como os coleccionadores que se afadigam pelas tulhas das discotecas de segunda mão, para encontrar uma pérola no meio dos monos. Nada de injustiças aqui: não há forçosamente "monos" na competição internacional 2012, particularmente equilibrada e engenhosa no modo como escolheu filmes e realizadores que procuram criar caminhos pessoais pelas florestas do que nos habituámos a ver como "cinema de autor" de regiões específicas.
Mas se não há monos, pode haver filmes sem personalidade, o que no caso do cinema de autor é dramático. É o caso de "Voie Rapide", estreia do francês Christophe Sahr, exercício escolar e certinho de drama intimista "à francesa", bem feito mas anónimo, escorreito mas convencional. Nos antípodas desse anonimato, "The Color Wheel", segundo filme do americano Alex Ross Perry, conjuga a moderna comédia americana do desconforto com a estética faça-você-mesmo do movimento ultra-independente mumblecore. Mas o amadorismo propositado deste cinema voluntarioso parece estar mais interessado em dizer "olhem para mim" do que em ter alguma coisa para dizer.
"Voie Rapide", "The Color Wheel" e o decepcionante "He Was a Giant with Brown Eyes", sofrível ficção paredes-meias com o documentário sobre o reencontro de uma adolescente azeri com o seu país natal, da suíça Eileen Hofer, são os três filmes menos interessantes do concurso. No patamar acima, "De Jueves a Domingo", da chilena Dominga Sotomayor, não consegue ainda autonomizar-se de uma certa ideia de cinema cerebral latino-americano; mas este claustrofóbico road movie sobre uma família à beira do divórcio traz já muito de interessante, sobretudo no radicalismo conceptual bem sacado da acção se passar inteiramente dentro ou à volta de um velho carro.
Chegamos assim às primeiras pérolas do concurso. "Everybody in Our Family", do romeno Radu Jude, é um enormíssimo murro no estômago que pega nas convenções que nos habituámos a ver na "nova vaga" do cinema romeno e as leva a um paroxismo frenético e angustiante, de uma violência surda que explode com a energia do desespero, numa autêntica batalha campal entre um casal divorciado pelo direito a um dia de férias do pai com a filha. Jude passara há três anos pela competição do Indie com a recomendável estreia "The Happiest Girl in the World" (2009), mas esta segunda fita - o melhor filme a concurso no Indie este ano - é um enorme salto em frente, tanto para o realizador como para o cinema romeno, que nunca foi tão desencantado e angustiante.
Já "Still Life" de Sebastian Meise, podia funcionar em "sessão dupla" com um outro filme exibido fora de concurso pelo Indie: Michael, de Markus Schleinzer. Em comum, a origem austríaca e o olhar glauco, atento, frio sobre as pequenas sordidezes do mundo - para não falar do tema da pedofilia, que em "Still Life" não passa de uma fantasia nunca concretizada. Meise, de quem é a primeira e fortíssima obra, prefere no entanto debruçar-se sobre o efeito que a revelação dessa fantasia lúbrica tem na sua família; desenha o modo como o tapete é tirado de baixo dos pés da esposa e dos filhos de Gerhard, como todos eles se vêem obrigados a mudar a sua imagem do homem que dirigiu a família. Mas será, afinal, esse homem assim tão diferente do que parecia ser?
É uma boa metáfora para esta primeira leva da competição do Indie, com filmes que nos aparecem como quem não quer a coisa e acabam por mexer connosco de modos que não esperaríamos.
Aceda aqui ao programa.
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