domingo, 7 de fevereiro de 2010

Morreu Hermínia, única herdeira das cantadeiras de mornas do século XIX

Não conheceu a ribalta como a sua prima Cesária, mas pelo menos um disco seu ficará na lista das melhores gravações cabo-verdianas de sempre. Hermínia morreu hoje, na ilha do Sal.
Podia ter ficado como diva de um só disco. Mas gravou dois, embora o segundo já de regresso à obscuridade. A cantora cabo-verdiana Hermínia da Cruz Fortes, conhecida por Hermínia d"Antónia de Sal, morreu hoje, na ilha do Sal onde quase sempre viveu.
Os dados das notícias variam na hora (à tarde, à noite), como variam na idade: 72 anos ou 67, a crer na biografia oficial, que a dava como nascida em 1942. Mas isso é o menos importante. A voz, sim, era o seu tesouro. Uma voz "aguda e carregada de vibrato" num corpo franzino e frágil, como a descreveu Fernando Magalhães em Fevereiro de 1999, no PÚBLICO, depois de assistir ao seu concerto no Centro Cultural de Belém (CCB). Ou uma mulher de idade "que canta com a alma radiosa de uma adolescente", como se lhe referiu Luís Maio, ao distinguir, em 1998, Coraçon Leve com 9 estrelas em 10.
E esses foram os seus tempos de glória. Antes, há leves traços da sua biografia. Nascida na ilha de São Vicente, prima de Cesária Évora, Hermínia aprendeu a cantar com a mãe, que também tocava viola e cavaquinho. Mas a mãe morreu cedo e, aos 11 anos, ela foi viver com uma tia na ilha do Sal. Aos 33 anos gravou a primeira morna, para a rádio. E isso valeu-lhe vários convites para cantar em restaurantes e hotéis. Numa delas, estava na plateia Gilbert Castro, dono da Melodie francesa, acompanhado do músico e compositor cabo-verdiano Vasco Martins. Este, recorda agora essa noite via telefone, a partir do Mindelo. "Assistimos, juntos, à primeira parte de um concerto da Cesária onde actuou a Hermínia e o Gilbert disse-me que estávamos na presença de uma senhora com uma voz singular e admirável." O adjectivo é sublinhado por Vasco Martins: "Uma voz singular, ou se gosta ou não se gosta. Eu gosto." Esse gosto deu um disco, aplaudido pela crítica de forma unânime: Coraçon Leve. Uma ironia: era um projecto feito ao longo de anos a pensar em Cesária, na voz dela. Cesária não quis. E Hermínia ganhou-o.


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