segunda-feira, 20 de abril de 2009

Quando o tempo é despreocupado...

Hoje recordei-me de um momento passado em Cabo Verde. Este momento:


"Foi uma conversa agradável com o pai da Georgy em fim de tarde graciosa. Era uma daquelas tardes despreocupadas. Estar despreocupado é estar feliz. O sol brincava vivamente com as nuvens. Parecia uma espécie de compromisso. Todos os dias o sol brincava com as nuvens. O sol e as nuvens. E todos os dias tinham tempo.
A tarde estendia-se tranquila em cima de um dia preguiçoso. Fez-me lembrar o tempo da minha aldeia. Nas aldeias o tempo também se estende. Nas aldeias há sempre tempo. Em Lisboa nunca se tem tempo. Em Lisboa há que correr atrás do tempo e nunca se chega a fazer tudo o que se quer. Na minha aldeia tenho tempo para tudo e ainda me sobram instantes. Tempo para acordar tarde, para comer laranja de pijama à varanda enquanto o fumo das chaminés se dissipa no ar, para conversar com a mãe sobre o que vamos comer ao almoço e ao jantar, para dizer ao pai que a avó tem-me visitado à noite enquanto durmo, para dar bons dias e boas tardes a todos, para tomar café antes da cabra do Zé terminar de rapar a erva junto ao ribeiro, para caminhar com a tia antes da novena começar, para conversar com a avó, sentadas na soleira da porta enquanto o sol se esconde atrás do casario…
Ali sentada junto do pai da Georgy percebi que o tempo crescia como na minha aldeia. E na minha infância o tempo crescia ainda mais. Ainda consigo sentir o sabor das longas tardes de domingo. O sino tocava, as crianças brincavam depois da missa no coreto do adro, os jovens namoravam em mil e uma voltas pelas ruas, as mães paravam em cada canto e distribuíam fofoquices gratuitamente, os pais discutiam os golos do João Pinto e o passe do Rui Costa ao balcão dos cafés, os velhos aqueciam ao sol e o sino tocava. Eu não brincava no coreto. Raramente ia à missa. E o meu pai também não discutia futebol. Raramente ia aos cafés. A avó Graça aquecia ao sol. A avó Alzira também. Eu brincava com os primos à porta da casa delas.
E ali sentada com o pai recostei-me a ouvi-lo. Sorri. O tempo era despreocupado. Sentia-me feliz. "


E a conversa agradável fica para um outro dia.

4 comentários:

lumadian disse...

É aquilo a que eu chamo de vida boa.
A vida nas aldeias é uma vida de qualidade a que só damos valor depois de viver numa grande cidade, onde julgamos ter tudo e acabamos por não ter nada.

Né disse...

Espero que quando te recordares do momento em que nos conhecemos também o coloques aqui... Gostei da mistura de espaços. Praia é sima uma aldeia. verdade!

;)

Espero pelo "meu momento"
P.S: Sodadi di nha terra?

Ângela Jorge disse...

Só de ler já parece que conheço muito bem Cabo Verde!!!

disse...

Né: Aguarda, aguarda... um dia recordarei o momento de quando nos cruzamos e brindo-te com uma postagem... :)
P.S: Saudade sim. Principalmente do que não cheguei a fazer. Assim há sempre um motivo para regressar.
;)