Enquanto a mulher está suspensa num coma profundo, George Clooney, “pai de família” pouco convicto, reúne as filhas, visita os familiares e os amigos, compenetra-se no seu papel de pai e de marido - ele próprio é um “descendente”, tem que lidar com um património familiar que, de há décadas, vem passando de geração em geração. É um filme “muito bem escrito”, por certo, dos diálogos à organização narrativa, uma fluidez e uma elegância que dão tanto prazer como têm tendência a frustrar. Há dois, três momentos em que o filme vive para além da escrita, quer dizer, onde se passa alguma coisa que é da ordem do físico. Eles são: a corrida de Clooney (“tempo real” mas também uma sensação de “espaço real”) depois de saber da infidelidade da mulher (que está em coma); o mergulho da filha mais velha depois de saber que a mãe vai morrer; e o plano final, sobre o qual começa a correr o genérico de fecho, o pai e as filhas em frente à televisão, plano frontal em que as palavras são dispensadas, imagem de uma família que encontra uma maneira de se recompor na assimetria (e que é obviamente o “ponto de chegada” de todo o filme, assim sucintamente expresso). Há alguns outros aspectos interessantes. O cenário, o Hawaii (o argumento adapta um livro de uma escritora hawaiana), talvez o estado americano menos filmado por Hollywood (à excepção dos filmes sobre Pearl Harbor...), e a maneira como Payne, nas entrelinhas da banda musical, faz de “Os Descendentes” um filme discretamente “folk”, embebido, com subtileza, pelas tradições musicais locais. Mais falhada, porque nunca se transforma na assombração que devia ser ( a “decadência do matriarcado”), é a cerimónia de morte: há demasiado cuidado na utilização dos grandes planos do rosto da mulher adormecida, um rosto progressivamente decomposto cuja imagem parece nalguns momentos querer “ritmar” a montagem, mas sem nunca se tornar a coisa horripilante e incómoda que fazia sentido ser. Portanto: um filme perfeitamente decente, que devia ser a regra e não a excepção.
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