segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Eu e Tu


É dificil perceber o que fazer com os filmes que Bertolucci faz hoje. Ou quase não faz, visto que os intervalos são cada vez maiores (Eu e Tu aparece nove anos depois de The Dreamers), por razões que não terão apenas a ver com problemas de saúde. Um fio possível para deitar a mão à meada de Bertolucci é a juventude. The Dreamers falava do Maio de 68 como uma aventura adolescente, mais sentimental do que política, questão de “lust for life”. Os protagonistas de Eu e Tu voltam a ser jovens, ainda mais jovens do que os de Dreamers. E se estes se enfiavam na cave da Cinemateca Francesa (a aventura também era cinéfila), estes enfiam-se numa cave anónima, cheia de adereços e guarda roupa, para sessões de terapia convivial, desintoxicação e teatro musical. Eu e Tu é a história de um garoto em plena idade do armário, que se tranca na cave do prédio durante a semana em que a mãe pensa que ele foi fazer ski com os colegas da escola. Tranca-se por razão nenhuma: pura revolta “sem causa”, zangado com os pais, com a escola, com o mundo. Depois aparece-lhe a meia irmã, mais velha, que também escolheu a cave para se isolar e proceder a uma desintoxicação por conta própria, promessa feita ao namorado. O osso do filme assenta na relação entre eles. E se se pode sempre dizer que isto também é Bertolucci a “enfiar-se na cave” e a voltar costas ao mundo, de tal modo eu e tu se abstém de referências significativas ao que quer que seja para além da relação entre os dois meio-irmãos, esta história de intimidade subterrânea até resulta bastante bonita. Bertolucci parece lançar algumas pistas, quase private jokes - o psicólogo que na primeira cena atende o miudo está em cadeira de rodas, como, por causa de uma hérnia, Bertolucci está actualmente, e portanto é como se Bertolucci “apadrinhasse” o miudo; o miúdo que, numa das últimas cenas antes de se encerrar na cave, irrita a mãe com perguntas incestuosas, como se fosse La Luna revisto com um sentido de irrisão adolescente. Mas nada disto prevalece sobre o sentido essencial do filme, que é um rumo para a pacificação, uma resolução da “revolta” através da aprendizagem do contacto com os outros. Se a miúda se desintoxica da heroína, o miudo desintoxica-se da sua aversão ao contacto e ao convívio, aprende que se pode esperar dos outros, em determinadas circunstâncias, alguma coisa boa. Num golpe bastante feliz, Bertolucci transfere integralmente para uma canção de David Bowie (Ragazzo Solo, Ragazza Sola, versão italiana de Space Oddity), dançada e cantada pelo par de irmãos, a expressão da moral da história e a chave para desatar o seu novelo psicológico. E portanto até é simples: está encontrado o filme de Bertolucci de que mais gostamos nos últimos 30 ou 40 anos.

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