quarta-feira, 23 de abril de 2014

Grand Budapest Hotel

 A narrativa de Grand Budapest Hotel é exemplar: é a história de um homem que não quer deitar fora o hotel de que é proprietário, mesmo que ele se tenha tornado uma sombra decrépita do que noutros tempos foi. A questão, como habitualmente em Wes Anderson, é a fidelidade a um valor que foi importante no passado e que o presente já não confirma, e que precisamente por isso deve ser - mesmo que da forma patética ou desajeitada que é o estilo das suas personagens - recuperado e preservado. Noutros filmes esse valor é a imagem mítica de uma harmonia familiar que o tempo pulverizou. E aqui é ainda uma forma de comunhão, no limite, de família sem “família” (biológica, pelo menos): a relação de Zero, nome nada escolhido ao acaso, com o seu mentor, Gustave, o aprendiz de moço de fretes e o super-moço de fretes, sendo Gustave (Ralph Fiennes) a evidente figura paternal que “adoptou” o primeiro (Tony Revolori na juventude, F. Murray Abraham em velho), o “integrou”, a ele, imigrante chegado à Europa dos anos 30 fugido das guerras no seu país, e finalmente fez dele seu herdeiro.
Por outro lado parece lógico que o filme se situe numa imagem idealizada da mitteleuropa do período entre guerras. Wes encontra neste cenário muito do que faz o seu “museu” pessoal tal como exposto noutros filmes, a cultura europeia e o património clássico do cinema americano (mesmo se todas as referências, as históricas como as fílmicas, se jogam ainda numa espécie de “faz de conta”, que aponta à tangente mais do que ao centro; e por exemplo aquela espécie de “nazis” vem mais dum álbum de Tintim do que doutra coisa qualquer). Mas mais lógico ainda, quando se trata dum cineasta que frequentemente filma um sentimento de “classe” (as personagens de “betinhos”, tantas vezes criticadas como se a “betice” fosse um tique de Wes e não um elemento temático), é o encontro com esse apogeu da estratificação social que é a Europa das primeiras décadas do século XX.
O que decepciona um pouco, portanto, não é a repetição dos elementos com que Wes Anderson trabalha, antes o facto de a sua exposição parecer levar a melhor sobre outras questões. O envolvimento dramático, por exemplo, ou mais ainda a força das personagens - que é também a grande força da obra de Wes, essa capacidade para trabalhar em artificio e bricabraque sem perder a humanidade das personagens. Aqui isso parece menos conseguido, um pouco perdido entre uma certa rapidez excessiva (da acção, das cenas muito curtas), e talvez também de uma imaginação excessiva, porque não há um plano que dê tréguas, não há um plano que se contente em “ligar” ou em “parar”, é uma lógica de “plano-acontecimento” levada ao limite e que no fim de contas o filme não suporta, com isso deixando a sensação de que se perde alguma coisa.

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