sábado, 27 de julho de 2013

Mama

Como numa boa fábula, Mama carrega consigo uma dádiva e uma maldição. A dádiva é a exposição garantida pelo curta-metragem Mama, de 2008, que fez sucesso em festivais e na web e gerou interesse pelo trabalho do diretor argentino Andrés Muschietti. A maldição é o efeito colateral: Muschietti, estreante em longas, chega a Hollywood preso ao universo que criou. Produzido por Guillermo Del Toro - que usa sua influência para introduzir, como produtor, novos talentos latinos na indústria de cinema dos EUA. O resultado, como se pode temer, comporta-se um pouco como uma curta estendida, que não desenvolve personagens. Logo no começo do filme descobrimos por que as irmãs estão sob os cuidados da assombrada "mama": são duas crianças órfãs que vivem anos numa cabana isolada depois da morte de seus pais. Elas são descobertas então por seu tio, Lucas (Nikolaj Coster-Waldau), e retornam para a civilização - mas carregam "mama" consigo. Quem mais sofre é a protagonista, Annabel (Jessica Chastain), namorada de Lucas, que se vê numa competição macabra com "mama" pela guarda da meninas. Das fábulas, Mama tira seu imaginário gótico. A neve, a floresta, os símbolos de contos de fada - como as cerejas que as crianças comem ou o lobo de pedra no jardim - dão o clima de história dos irmãos Grimm, com direito a um "Era uma vez..." no início do filme. Seria fácil fazer uma relação entre esse primeiro filme de Muschietti e o universo fabular dos terrores de Del Toro, como O Labirinto do Fauno, se as escolhas cromáticas do argentino - filtros que tiram a cor do ambiente e ressaltam os verdes e os vermelhos - não transitassem tão obviamente por outro terreno visual, o de Alfonso CuarónOs mexicanos Cuarón e Del Toro, afinal, hoje são os modelos de cineastas latinos em Hollywood que uma geração aprendeu a seguir. Em Mama, Andrés Muschietti pega um pouco de cada um deles (e dos cabeludos fantasmas japoneses) e dá ao filme uma unidade visual e temática. É interessante como se faz, por exemplo, entre Annabel e "mama", um duelo de estéticas góticas: a roqueira de cabelo preto e olho pintado, herdeira do punk e dos New Romantics, versus o espectro deformado de uma mulher que parece saída, com seu rosto estreito e alongado, da tela modernista "American Gothic" de Grant WoodÉ uma pena, no fim, que Muschietti não consiga dar a esses personagens esteticamente bem definidos uma trama que seja satisfatória. Mama rapidamente se prende a convenções do gênero e clichês de sustos, e a investigação que vai explicar todos os detalhes do passado do fantasma tira o espaço que Annabel teria com as crianças. Esse espaço era fundamental; Annabel só poderia competir com "mama" a partir do momento em que ganhasse a confiança das duas órfãs. O que vemos no filme, na verdade, é uma relação que nunca deixa de ser disfuncional: Annabel desconcertada com o problema que caiu no seu colo, enquanto as meninas seguem isoladas. Nem com o buraco preto de mofo que surge na parede da casa Annabel se incomoda muito. É como se a personagem estivesse só esperando o confronto final com o fantasma, ciente do que o roteiro lhe reserva. 

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