sexta-feira, 20 de março de 2009

Quando chego...

Quando chego o meu pai estaciona sempre no mesmo lugar
A garagem continua com o mesmo cheiro a cimento fresco, acabado de amassar
As flores do jardim, sempre nervosas, ansiosas por me tocar
Haja vento ou não estão sempre a balançar
Nasce sempre uma planta nova que as outras querem apresentar
Sempre que eu regresso...todas nervosas e ansiosas por me saudar.
O sol de fim de tarde beija a rua de mansinho. Despede-se para amanhã voltar.
Antes, quando eu não chegava porque simplesmente estava, a avó sentava-se no jardim
Assim como as flores também ela aproveitava o sol até ele abalar.
O sol agora abala mais depressa...já não tem de aquecer a avó...
Quando chego posso tomar banho demorado
Esqueço-me do chuveiro e do tempo mal passado em que a água dispara sobre a minha cara para depois fugir apressada pelo ralo
Aqui o banho é de imersão. O tempo espera que eu tome banho e eu espero que o tempo roube o calor da água para terminar de me banhar.
O mesmo vapor de sempre inunda o espelho, a pele fica vermelha de tão quente que estava a água e eu demoro-me em gestos e lavagens.
O gel de banho, o sabonete, o creme, o shampoo...tudo aplicado em gesto demorado
Só o pulo repentino quando a água arrefece corta a lentidão do momento.
No quarto uma voz de jazz acompanha-me para relaxar e no corredor o cheiro a comida anuncia a hora de almoço.
Sem anúncios de hora de almoço porque aqui não há horas marcadas
É o frio da água quando arrefece e a fome desperta pelo cheiro, que definem a hora de almoço.
Lá fora, depois da janela embaciada, ouço os mesmos ruídos de sempre...
As vizinhas que brincam e correm atrás do gato (que já foi o Missé e hoje é o Tico);
As galinhas que refilam entre elas e o galo que as repreende em canto afinado;
Os delicados estalos das folhas do pessegueiro e da cerejeira que são interrompidos por um belo chilrear de pássaros.
Visto-me lentamente e barro-me de creme. Chama-me a mãe. Já vou, já vou...
Um "já vou" demorado... Chama-me o pai. Vou já, vou já...
Deixo o cabelo para secar depois de almoço e vou.
E depois de almoço vem o café das 14h que por vezes é às 15h...
Tem dias que consegue ser às 14:30h.
Hoje não há Lili, Mónica, Nuno, Miguel e Zé... mas o café é o mesmo de sempre.
A mesma esplanada que a água da ribeira insiste em lavar o rosto todos os dias;
A mesma sala de café, hoje remodelada. Mas as paredes são as mesmas.
E o café...o café é sempre o mesmo. Seja ele cappuccino, italiano, curto ou cheio.
E é sempre o café das 14h, quer seja às 15h ou mesmo às 14:30m.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Cada um tem o seu passado fechado em si, tal como um livro que se conhece de cor, livro de que os amigos apenas levam o título."
( Virginia Woolf )

P.S:eu no passado não tinha alergia...nem tomava actifed...lol

lumadian disse...

A descrição é tão detalhada, que quase dá para sentir o cheiro das flores e o vapor da àgua quente do banho. hummm...já sinto o cheiro do café!