segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A Vida de Adèle


A Vida de Adèle, marcou a consagração definitiva do franco-tunisino Abdellatif Kechiche com a Palma de Ouro em Cannes 2013, e parece levar ao limite a sua vontade de abarcar o mundo todo no seu cinema, ao mesmo tempo que concentra cada vez mais a sua câmara sobre o indivíduo. Este filme-síntese é também aquele onde o realizador mais se espraia - três horas para contar o acordar para a vida de uma adolescente suburbana, Adèle (a extraordinária revelação Adèle Exarchopoulos), e o seu primeiro verdadeiro amor (por uma artista pouco mais velha, interpretada por Léa Seydoux). Ao expandir uma história aparentemente tão simples de modo quase épico, lembrámo-nos de David Lean e do modo como A Filha de Ryan (1970) levava ao limite do “micro” (uma história de amor) a aposta no “macro” (um espelho dos conflitos entre os irlandeses e os britânicos). Com a diferença de que, onde Lean deixava sempre a dimensão política à mostra, Kechiche trabalha a dimensão social, de uma surda “luta de classes” e de origens que sempre foi uma das vitórias do seu cinema e que aqui está perfeitamente entrosada com a narrativa. Contudo, apesar da entrega inultrapassável das duas actrizes que transportam o filme praticamente sozinhas, fica a sensação que Kechiche deixou fugir A Vida de Adèle por entre os dedos, se deixou levar por uma vontade de mostrar mais, de mostrar tudo, como se o seu método fosse universal e aplicável a todo o tipo de histórias. No grosso destas três horas, é como se o realizador estivesse inquieto, ansioso, à espera que alguma coisa acontecesse perante a sua câmara. Quando algo de facto acontece, A Vida de Adèle roça a obra-prima, justifica a inquietação e a paciência, mostra Kechiche como cineasta único, raro, capaz de filmar assim à flor da pele, tão perto das suas personagens - mas não acontece tantas vezes como nós e ele desejaríamos. 

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