segunda-feira, 30 de março de 2009

A professora de História

"Cuidado, ela é má. A partir de agora História vai deixar de ser a tua disciplina preferida. Com uma professora como ela História já era!"
Este comentário ecoava no meu ouvido e é com ele que registo a minha primeira aula de História do 10º ano. Para me defender delineei antecipadamente um plano. Sim! Delineei um plano para impedir o comentário de latejar. Para impedir que a "professora má" destruisse o meu gosto em historiar.
Mas o comentário calçou as suas botas mais pesadas e não parava de marchar...de trás para a frente, da frente para trás...pedia-me para na sua missão acreditar. Insistia aos saltos na minha cabeça apressado em se instalar. Não consegui evitar. Instalei o comentário em cada início de aula, logo assim que escrevia o sumário. Arquivava as aulas no armário e escondia-me no meu mundo imaginário.
Os meus colegas enfraqueciam a cada dia que passava. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... Pois, éramos sete. E eu abismada. Numa semana o rótulo de má quase dissipava. Magia negra, pensava. Para não ser amaldiçoada diariamente o comentário recordava.
Durante as aulas gostava de contrariar. Se liamos a página 16, eu lia a 61; se falavamos de Henrique VIII eu pensava em Maria Tudor; se debatiamos um tema eu caricaturava personagens...desde Voltaire a Lutero. Se me pediam para ler eu dizia "Não quero!"
Mas eis então que me é dada educação...e comentário ao trambolhão.
Agora na escrita de cada sumário pensava: se fosse má deixava-me ler a página 61 e eu não assimilava s reis da página 16; se fosse má não me alimentava conhecimentos avançados de Maria Tudor e faria-me ler primeiro os antepassados; se fosse má permitia-me todas as caricaturas até eu não reconhecer as figuras; se fosse má permitia que não lesse e distraída permanecesse.
No entanto, a professora Susana sentava-me junto a ela e obrigava-me a ler a página correcta. E vigiava sempre alerta. Falava-me de matéria ainda não dada que me agradava e que no programa não era apresentada. Ensinava entusiasmada e eu ouvia sossegada. Penso que ela também gostava de matéria extra- curricular. E eu aguçava o seu gostar. Partilhava comigo o meu livro e cada vez que o riscava levava uma leve palmada. Salvou-se assim o Damião, o Fernão e o D.João. Obrigava-me a ler para a turma e reprimia docemente a minha má educação em dizer não.
Enfim, não era má. Aliás era. Era uma mescla de maldade exigente comprimida em rigorosidade convincente. Maldade exigente e rigorosidade convincente pintadas diariamente com tinta permanente. Fui pintada e rabiscada. Deixei-me encantar, conquistar num processo lento de colorido saborear...
Acredito e quero acreditar que foi um processo único...ninguém mais o saboreou...Provar, ninguém mais o provou. Rabiscada e pintada, só eu naquela serra amanteigada. Chamava-se Susana então, aquela a quem resistia com um não.
A Susana tinha óculos quadrados. Com eles via melhor os meus livros riscados. Afinal o meu gosto por historiar continuava e com ela, quem diria, até aumentava.
Dois anos de ternura risada, de palmada em palmada...dois anos em que o meu dia com ela começava e também terminava. Sim, porque ela levava-me a casa. Seis quilometros de conversa e gargalhada misturadas, numa viagem curta e pontual em Fiat Punto comercial. Dois anos intensos de injecções de influencia, de admiração e consideração. Foi dificil depois à mudança adaptar-me. Aceitar a substituição da Susana? Não. Foi uma grande confusão.
Na faculdade, a cada disciplina do curso de História, renascia a Susana na minha memória. Ecoava no anfiteatro a noite de São Bartolomeu, Versalhes, o rei Sol, Miguel Bosé,a rainha Margot. Como não saber deles se foi a Susana que me ensinou? Tudo o que aprendi na faculdade já estava em mim cultivado, pela Susana semeado.
Recordo ainda que ela gostava de saias, de usar saia quando chovia... despediu-se de mim sem esperar pela chuva do outro dia. Também gostava de amarelo. Até tinha um guarda chuva amarelo. Ainda recordo a assinatura e a postura. E se tentar recordar os meus professores de História só da Susana me consigo lembrar.
É que existe uma ténue diferença ao recordar quem me deu aulas e quem foi meu professor. Professor ensina e educa. A Susana foi minha professora.

5 comentários:

Rotiv disse...

Epá, nunca gostei da minha prof. de história :/

Ângela Jorge disse...

Eu tive um professor de História que até de macaco fez para nos explicar a matéria, adorei o Prof. mas nunca gostei de História, eheheheh.
No entanto com as ma macacadas ainda consegui ter positiva na disciplina, lol

lumadian disse...

Ângela, tu tiveste aulas no jardim zoológico! lol

Bé "Porfessor" ? Andas a faltar às aulas de português. A vida não é só história! lol

Eu tive uma professora de história que me chamava Carlos Alberto, um dia perguntei-lhe e ela disse que eu era parecido com um dos melhores alunos dela, chamado Carlos Alberto, por isso se enganava. A partir daí não importei mais que me trocasse o nome, eu era dos piores! Só que no dia de dar as notas ela não se enganou!

disse...

Lumadian: Despiste no teclado apenas...lol...mas pelo menos vejo que lês atentamente o que escrevo. LoL.

lumadian disse...

Eu estou sempre em cima do acontecimento... lol