"Cuidado, ela é má. A partir de agora História vai deixar de ser a tua disciplina preferida. Com uma professora como ela História já era!"
Este comentário ecoava no meu ouvido e é com ele que registo a minha primeira aula de História do 10º ano. Para me defender delineei antecipadamente um plano. Sim! Delineei um plano para impedir o comentário de latejar. Para impedir que a "professora má" destruisse o meu gosto em historiar.
Mas o comentário calçou as suas botas mais pesadas e não parava de marchar...de trás para a frente, da frente para trás...pedia-me para na sua missão acreditar. Insistia aos saltos na minha cabeça apressado em se instalar. Não consegui evitar. Instalei o comentário em cada início de aula, logo assim que escrevia o sumário. Arquivava as aulas no armário e escondia-me no meu mundo imaginário.
Os meus colegas enfraqueciam a cada dia que passava. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... Pois, éramos sete. E eu abismada. Numa semana o rótulo de má quase dissipava. Magia negra, pensava. Para não ser amaldiçoada diariamente o comentário recordava.
Durante as aulas gostava de contrariar. Se liamos a página 16, eu lia a 61; se falavamos de Henrique VIII eu pensava em Maria Tudor; se debatiamos um tema eu caricaturava personagens...desde Voltaire a Lutero. Se me pediam para ler eu dizia "Não quero!"
Mas eis então que me é dada educação...e comentário ao trambolhão.
Agora na escrita de cada sumário pensava: se fosse má deixava-me ler a página 61 e eu não assimilava s reis da página 16; se fosse má não me alimentava conhecimentos avançados de Maria Tudor e faria-me ler primeiro os antepassados; se fosse má permitia-me todas as caricaturas até eu não reconhecer as figuras; se fosse má permitia que não lesse e distraída permanecesse.
No entanto, a professora Susana sentava-me junto a ela e obrigava-me a ler a página correcta. E vigiava sempre alerta. Falava-me de matéria ainda não dada que me agradava e que no programa não era apresentada. Ensinava entusiasmada e eu ouvia sossegada. Penso que ela também gostava de matéria extra- curricular. E eu aguçava o seu gostar. Partilhava comigo o meu livro e cada vez que o riscava levava uma leve palmada. Salvou-se assim o Damião, o Fernão e o D.João. Obrigava-me a ler para a turma e reprimia docemente a minha má educação em dizer não.
Enfim, não era má. Aliás era. Era uma mescla de maldade exigente comprimida em rigorosidade convincente. Maldade exigente e rigorosidade convincente pintadas diariamente com tinta permanente. Fui pintada e rabiscada. Deixei-me encantar, conquistar num processo lento de colorido saborear...
Acredito e quero acreditar que foi um processo único...ninguém mais o saboreou...Provar, ninguém mais o provou. Rabiscada e pintada, só eu naquela serra amanteigada. Chamava-se Susana então, aquela a quem resistia com um não.
A Susana tinha óculos quadrados. Com eles via melhor os meus livros riscados. Afinal o meu gosto por historiar continuava e com ela, quem diria, até aumentava.
Dois anos de ternura risada, de palmada em palmada...dois anos em que o meu dia com ela começava e também terminava. Sim, porque ela levava-me a casa. Seis quilometros de conversa e gargalhada misturadas, numa viagem curta e pontual em Fiat Punto comercial. Dois anos intensos de injecções de influencia, de admiração e consideração. Foi dificil depois à mudança adaptar-me. Aceitar a substituição da Susana? Não. Foi uma grande confusão.
Na faculdade, a cada disciplina do curso de História, renascia a Susana na minha memória. Ecoava no anfiteatro a noite de São Bartolomeu, Versalhes, o rei Sol, Miguel Bosé,a rainha Margot. Como não saber deles se foi a Susana que me ensinou? Tudo o que aprendi na faculdade já estava em mim cultivado, pela Susana semeado.
Recordo ainda que ela gostava de saias, de usar saia quando chovia... despediu-se de mim sem esperar pela chuva do outro dia. Também gostava de amarelo. Até tinha um guarda chuva amarelo. Ainda recordo a assinatura e a postura. E se tentar recordar os meus professores de História só da Susana me consigo lembrar.
É que existe uma ténue diferença ao recordar quem me deu aulas e quem foi meu professor. Professor ensina e educa. A Susana foi minha professora.
5 comentários:
Epá, nunca gostei da minha prof. de história :/
Eu tive um professor de História que até de macaco fez para nos explicar a matéria, adorei o Prof. mas nunca gostei de História, eheheheh.
No entanto com as ma macacadas ainda consegui ter positiva na disciplina, lol
Ângela, tu tiveste aulas no jardim zoológico! lol
Bé "Porfessor" ? Andas a faltar às aulas de português. A vida não é só história! lol
Eu tive uma professora de história que me chamava Carlos Alberto, um dia perguntei-lhe e ela disse que eu era parecido com um dos melhores alunos dela, chamado Carlos Alberto, por isso se enganava. A partir daí não importei mais que me trocasse o nome, eu era dos piores! Só que no dia de dar as notas ela não se enganou!
Lumadian: Despiste no teclado apenas...lol...mas pelo menos vejo que lês atentamente o que escrevo. LoL.
Eu estou sempre em cima do acontecimento... lol
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