quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Amour



A vida tal como ela é pode assustar bastante. Haneke faz em Amor uma inversão de cenários
 em direção a uma realidade quotidiana. Mas, no fundo, o que Amor faz é enfrentar um dos mais
 subtis tabus do cinema: a velhice.
Confirma-se, os velhos, por si só, não são um tabu do cinema: os avós são personagens de dramas
 e comédias, figuras queridas ou abandonadas, geralmente sensatas, por vezes dementes. Mas a velhice
 e, sobretudo, a decadência que lhe está associada evita-se demasiadas vezes.
 Evita-se sobretudo centrar um tema neste assunto perigosamente banal.
 Por um lado, pelo simples motivo que o assunto é chato. 
Não impele a ação, as personagens não correm nem fazem amor, apenas ficam, passam os dias...
 Mas, pior do que isso, o assunto é sensível e demasiado universal para nos querermos confrontar com ele. 
A brutalidade e crueldade de Amor em nada fica atrás ao dos jovens psicopatas de Funny Games 
ou ao pai de Laço Branco. Dir-se-ia que Amor consegue ainda transcendê-los, 
porque há uma identificação imediata: a velhice não é um ficção, quase todos lá chegam.
 É , portanto, um filme corajoso. Enfrenta um dos mais subtis tabus do cinema e, 
ao mesmo tempo, aborda um ambiente desesperadamente monótono. 
Ganha à partida uma medalha de mérito, a da coragem que se associa, 
seguramente, ao prémio para o filme mais deprimente do ano. 
Amor é perversamente realista, como uma profecia que se e entranha. 
Vai muito além da sala de cinema.
Aparentemente, há uma rutura com a filmografia de Michael Haneke, 
até porque Isabele Huppert, a sua atriz de eleição, faz aqui apenas um pequeno papel 
(quase tão pequeno como o de Rita Blanco). 
Os protagonistas são dois atores notáveis, com interpretações fabulosas, 
que atingem um pico de carreira na casa dos 80: Emmanuele Riva e Jean-Louis Trintignant
 (há mais de dez anos que não entrava num filme importante).
 Mas, vistas bem as coisas, mantêm-se requintes sádicos a que Haneke nos habituou. 
Isto elevado ao ponto mais extremo em que a morte se torna um alívio. 
Do espectador, Haneke não tem piedade. Mostra-nos tudo, pormenorizadamente, 
deixando-nos num estado de permanente comoção, nunca descurando a empatia com as personagens, que é imensa e brutal.
Até certo ponto, há mesmo uma luta de Anne contra a tristeza que a circunda. 
Já não quer ouvir Schubert, prefere as Bagatelas (a música erudita, mais uma vez, marca forte presença). 
As circunstâncias, contudo, não lhe dão qualquer escapatória.
 E tudo é triste e terrível, mesmo a história, que,  no leito, Georges conta para acalmar a mulher. 
Porque, claro, Amor é também um filme sobre o amor profundo e inquebrável, que redunda em sofrimento.
 Oferece-nos um espelho demasiado translúcido, ninguém quer ver a realidade tão nítida. 
Mas a culpa não é do cinema. É da vida. Ou, como dizia Manuel da Fonseca: "Isto de estar vivo um dia acaba mal".

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