Bernadette é uma comédia proposta por Léa Domenach a respeito do casal ultra catolico e conservador, fundamental à política francesa: o ex-presidente Jacques Chirac e a ex-primeira-dama, Bernadette Chirac. A narrativa explica desde o inicio que se trata de uma fábula, puramente ficcional. Obviamente, o roteiro é baseado em fatos, até por incorporar outras figuras importantes do cenário nacional (Nicolas Sarkozy, Dominique de Villepin, Xavier Bertrand). Mesmo assim, toma a liberdade de imaginar o que ocorreria na vida íntima, longe dos holofotes e das câmeras. E a imaginaçao explora os caminhos da rebeldia conjugal e emancipação feminina. Bernadette teria mudado a sua imagem perante o público para valorizar seu trabalho, sair da sombra e tambem irritar o marido machista, cercado unicamente por homens enquanto menospreza qualquer opinião dela— ela mesma, uma deputada eleita, experiente na política municipal há décadas. Por isso, a ousadia do discurso consiste em utilizar esta função materna e “doméstica” do cargo presidencial a favor de Bernadette que deseja os benefícios e atenção garantidos pelo estatuto presidencial do marido, porém repudia o machismo do homem com quem se casou, e que nunca demonstra o mínimo sinal de afeto em relação a si. Quanto às controvérsias políticas, Domenach consegue afirmar os fatos sem tomar partido nas ações do casal Chirac. Os personagens coadjuvantes listam inúmeros crimes de que ambos foram acusados, lembrando o espectador dos abusos de poder atribuídos aos conservadores franceses. No entanto, jamais retrata nenhum destes gestos em frente às câmeras, posto que o foco se encontra precisamente na intimidade do Palácio do Eliseu. Bernadette estaria ciente de tudo, e sem dúvida, demonstra conivência com os planos do marido. Em contrapartida, o filme nem a ataca, nem a absolve por tais gestos. O casal Chirac converte-se num ponto de partida para uma reflexão mais ampla, ao invés de ponto de chegada.